Chamam-se reflexos
a reacções corporais, instintivas, automáticas às estimulações, que não dependem da vontade. Por exemplo, quando tocamos num objecto muito quente, a mão retira-se mesmo antes de pensarmos sequer o que aconteceu. Só depois aparece a dor e a consciência do que aconteceu. Se assim não fosse, teríamos mais hipóteses de queimar a mão.
Os gestos e actos voluntários são comandados pela substância cinzenta do cérebro. Partindo do cérebro, a ordem motora atinge a substância branca da medula, passa para os nervos raquidianos e atinge o órgão-alvo, determinando sua reacção. O acto reflexo, ao contrário, é comandado pela substância cinzenta da medula e é realizado antes que o cérebro tome conhecimentos deles.
Os recém-nascidos têm reflexos vários que são a tradução do nosso passado antropológico, que se vão atenuando, com o tempo, pela aprendizagem social e a habituação, mas qualquer pessoa, mesmo na idade adulta, se sentir disritmia fica alerta: imaginem que estão numa sala de concertos, tranquilamente a ouvir música. Se sentirem que, lá atrás, chegou alguém que diz umas palavras ao ouvido de outra pessoa e que, de imediato, três ou quatro se levantam, ficamos de imediato em alerta, incapazes de prestar atenção ao que seja, a não ser tentar descobrir onde é a saída de emergência mais próxima… mesmo sem saber o que se passou realmente lá atrás.
No que toca aos reflexos do recém-nascido, que descreverei, muitos deles vão desaparecendo à medida que o cérebro se organiza e que o bebé é, digamos, trazido ao século XXI. No entanto, alguns permanecem na idade adulta e outros podem re-aparecer, como o chamado sinal de Babinski (ver abaixo) que surge novamente quando, por exemplo, a pessoa tem um AVC.
Diga-se também que os reflexos de que estamos a falar não chegam ao córtex cerebral mas ficam apenas na espinal medula, sendo o conjunto estímulo-reacção independente da vontade. A sua presença, no recém-nascido, é um sinal de que o sistema neurológico está a funcionar bem. Por outro lado, convenhamos, é uma coisa que ainda entusiasma os pais, parecendo quase mistério.
Gordura Cerebral
À nascença, o cérebro de um bebé pesa entre 300 e 400 gramas, quatro vezes menos que o de um adulto. Para que se desenvolva completamente, é preciso que todas as células nervosas estejam cobertas por uma substância branca gordurosa que se designa por mielina. Essa camada é a responsável pela transmissão de impulsos nervosos do cérebro para o corpo. Sem ela, como acontece nas chamadas «’doenças desmielinizantes» (esclerose múltipla, síndroma de Guillan-Barré, leucodistrofia e muitas outras), o diálogo entre o sistema nervoso e os órgãos efectores (músculos, etc) fica prejudicado.
O processo de mielinização começa no segundo trimestre de gestação, atinge seu período mais intenso quando a criança tem 8 meses e continua até ao final do segundo ano de vida, embora durante toda a vida haja processos de mielinização. Os reflexos primitivos ou ancestrais desaparecem quando a maioria das células está já coberta por mielina, melhorando progressivamente a capacidade de fazer movimentos voluntários. Ao longo do primeiro ano de vida observa-se esse fenómeno em idades-chave: sorrir, segurar a cabeça, voltar-se, sentar-se, gatinhar, controlar os movimentos da mão e tanta coisa mais. A mielinização do sistema nervoso central faz-se no sentido cefalo-caudal, ou seja, «da cabeça aos pés», e é por isso que a ordem não é aleatória: o bebé primeiro segura a cabeça e só depois se senta e só depois gatinha e anda.
Os movimentos reflexos começam ainda na gravidez, entre a 28ª e a 35ª semanas – um exemplo típico é a sucção, que representa a sobrevivência porque sem ela a alimentação é impossível, e que é patente ainda na vida intra-uterina (basta ver, na ecografia, o bebé a chupar no dedo). A sucção, por ser rítmica e ancestral, acalma os bebés (e as pessoas, em geral), e por isso é que as chupetas têm tanta saída (mesmo que atrasem o desenvolvimento da capacidade de lidar com a solidão e com o stresse).
Mais do que uma exibição do bebé, os reflexos são, repito, sinais que contribuem para a avaliação do estado de saúde do bebé.
Ficam aqui alguns deles:
Reflexo de Moro ou do abraço – Moro foi o pediatra italiano que estudou este reflexo. Nele, o bebé, perante um barulho ou um movimento súbito, como deixar cair a cabeça para trás, estica as pernas, abre os braços e fecha-os rapidamente. Os pais, se não forem avisados, interpretam-no como sustos. Desaparece por volta do segundo ou terceiro mês.
Marcha automática – é um dos reflexos que mais gozo dá aos pais e avós. Segurando o bebé por debaixo dos braços e apoiando-o em pé, ergue uma perna dando a impressão de estar andando, pousa-a e move a outra, podendo (se estiver para aí virado, atenção…) dar vários passos. Desaparece habitualmente no final do primeiro mês, o máximo no segundo. O que parece uma predisposição precoce para andar é, na realidade, uma parte dos exercícios que o bebé fazia dentro da barriga da mãe, onde apoiava os pés contra a parede abdominal e caminhava sobre ela.
Sucção– o bebé abre a boca e suga, seja o mamilo da mãe, sejam os dedos. É um reflexo fundamental, que nunca se perde e volta em força quando a pessoa envelhece muito ou tem um AVC.
Pontos cardeais – ao tocar em qualquer região em torno da boca, o bebé vira o rosto para o lado estimulado. É um reflexo que desaparece por volta do segundo mês, quando o reflexo da sucção passa a ser voluntário. Com frequência, as mães, durante a mamada, fazem cociguinhas na bochecha do bebé que não está encostada ao peito e o bebé volta a cabeça, perdendo o mamilo e ficando muito zangado.
Preensão palmar e plantar – o recém-nascido agarra o dedo da mãe com força. A força é tal que se consegue (caso para dizer, no entanto: «não tentem isto em vossas casas») elevar o bebé só com o dedo. Este reflexo ocorre nas mãos e nos pés. O das mãos costuma desaparecer por volta do terceiro mês. O do pés continua até cerca do sétimo ou oitavo mês. Para o contrariar basta pressionar nas costas das mãos ou no dorso dos pés.
Reflexo tónico-cervical – com o bebé deitado, o médico gira a cabeça do bebé para o lado, e a criança tende a estender o braço do lado para onde está virado e a dobrar o outro. É também chamado o reflexo do esgrimista. Costuma desaparecer durante o terceiro mês.
Gatinhar – quando colocado de bruços e com apoio nas plantas dos pés, o bebé estica as pernas, como se tentasse rastejar. Desaparece por volta do quinto mês.
Reflexo de Galant – segurando o bebé de barriga para baixo, com as mãos do observado na barriga, se se percorrer os dedos pelos lados do tronco, na zona dos rins, paralelamente à coluna vertebral, o corpo curva-se para esse lado. Alternando, o bebé parece dançar ou dar à cauda como os peixinhos.
Reflexo de escalar – segura-se o bebé debaixo dos braços e mantemo-lo erguido com as pernas livremente suspensas. Se o aproximamos até que o peito de um dos pés toque na mesa, automaticamente levanta o pé, flecte o joelho e sobe o pé para a mesa. O que origina este movimento é o toque do peito do pé.
Reflexo plantar ou de Babinski – descoberto por Joseph Babinski, é um reflexo em que, fazendo cócegas ou arranhando o lado do pé, o dedo grande estica-se. Perde-se cerca dos dois anos e o seu regresso, na idade adulta, é sinal de doença neurológica.
Reflexo dos «olhos do boneco– rodando a cabeça de um lado para o outro, o bebé abre os olhos.