Quase que apostava que, cinco minutos após ter lido este título, a maioria dos leitores já estar a sentir comichões na cabeça. Fala-se no assunto e pronto. É como quando alguém nos conta que foi operado aos olhos… começamos logo com as lágrimas a cair, e não é da emoção.
Embora os portugueses tenham no seu vocabulário termos que incluam estes “animaizinhos”, alguns deles exprimindo o mais completo carinho (“seu piolho encardido”, dizem aos filhos, num acto de ternura), outros ditos com uma boa dose de desprezo (“que tipo mais piolhoso!”), o tema “piolhos” ainda pertence ao domínio dos tabus. Um estudo que efectuámos na Faculdade de Ciências Médicas, em 2011, confirmou o desconhecimento da população inquirida.
A situação é tanto mais estranha quando se sabe que a larga maioria das crianças já teve (ou tem!) piolhos em algum momento da sua vida… e quando se sabe que esconder o assunto e não lidar com ele (ou com “eles”, piolhos) de caras, ‚ contribuir para que a situação se eternize… e enfernize.
Por outro lado, o aumento mundial que recentemente se observou na infestação por piolhos acompanhou-se de alterações no que se refere à sua distribuição. Assim, não é só nos bairros mais carenciados e nas crianças mais pobres que os piolhos aparecem; pelo contrário, as classes médias das zonas urbanas e os colégios particulares são alvo frequente dos ataques das “hordas piolhais”.
(Faço aqui uma pausa para que os leitores possam coçar a cabeça, porque tenho a certeza que, assim como eu estou, também estarão cheios de vontade de o fazer).
O que são os piolhos
Os piolhos da cabeça, ou pediculus capitis, são insectos chupadores de sangue que parasitam o couro cabeludo dos seres humanos.
Reproduzem-se através de ovos e multiplicam-se rapidamente. Passam de pessoa para pessoa ou, se quiserem, de cabelo para cabelo, por contacto directo. Os cabelos limpos e/ou curtos não constituem uma defesa contra os piolhos, muito pelo contrário. É bom os pais terem este facto presente. Os piolhos transmitem-se através do contacto (daí serem mais comuns em crianças de idades mais baixas e que frequentam jardins-de-infância e escolas do 1º ciclo), mas não têm asas nem saltam. Transmitem-se também pelos pentes e escovas ou chapéus.
Quais os problemas que os piolhos podem causar
… que é como quem diz, porque é que se deve tentar acabar com os ditos? Pensemos um pouco nesta questão. Para além de nos parecer uma porcaria e parecer mal aos vizinhos e amigos, que outras razões levam a que se insista na “desparasitação”?
Se calhar muitos de vós não sabem que os malfadados piolhos, para além dos problemas estéticos e de todos os preconceitos associados a quem os tem, podem realmente CAUSAR DOENÇA. Essa é que é a questão fundamental.
O piolho como causa de insucesso educativo?
A acção dos piolhos é tão nefasta que podem inclusivamente causar insucesso escolar… E esta? Confessem que é uma novidade…
Vejamos então como… mas antes deixem-me que vos fale de dois termos que a língua inglesa tem: “lousy” e “nits”. Quando alguém diz “I feel lousy”, quer dizer que se sente mal, sem forças, sem vontade de trabalhar ou estudar. Quando se diz de uma criança “he is nits” está-se a querer dizer que ela ‚ atrasada, pouco atenta nas aulas. E “lousy” quer dizer “piolhoso”… e “nits” quer dizer “lêndea”… e o mais engraçado ‚ que estas duas palavras exprimem bem a problemática do piolho.
(O assunto está a tornar-se engraçado, não está? Nunca pensaram que o tema “piolhos” pudesse transformar-se num assunto quase policial… mas esperem para ver…)
A vida dos piolhos é interessantíssima, sobretudo para eles. Quando um piolho encontra uma cabeça de que gosta – e, repito, não tem de ser uma cabeça mal lavada -, instala-se junto ao couro cabeludo e faz aí a sua morada. Como é um chupador de sangue, começa por morder a pele do escalpe e depois de morder e de chupar um pouco de sangue, defeca. Cada piolho alimenta-se cerca de cinco vezes por dia e no conjunto dessas refeições pode dar até 200 mordidelas. Isso mesmo. A mordidela, em si, não causa dor mas como o piolho deita saliva quando morde, e essa saliva tem substâncias alergizantes, as pequenas feridas inflamam e a criança tem comichão (daí estar sempre a coçar-se).
Entretanto, cada vez que se alimenta o piolho defeca. Ao coçar-se o próprio indivíduo faz com que as fezes do piolho entrem nas feridas, o que aumenta ainda mais a irritação da pele. As fezes que caem para a face e para os olhos podem causar dermatite (especialmente atrás das orelhas), conjuntivite e sintomas alérgicos oculares que, muitas vezes, não são logo relacionados com a parasitose porque os sintomas típicos podem não ser evidentes… e como as pessoas escondem o facto, não se sabe muitas vezes que na escola ou na creche há outras crianças infestadas.
Aos sete dias de vida os piolhos começam a ter relações sexuais e põem ovos. Os ovos ligam-se às raízes do cabelo e a inflamação da pele aumenta. A pessoa coça-se mais.
A determinada altura as fezes do piolho podem entrar na circulação sanguínea, causando uma doença generalizada, que se caracteriza por mal-estar e sensação de fraqueza. Por outro lado, e para além do mal-estar, como a criança passa a noite a coçar-se, dorme mal e vai para as aulas semi-adormecida. Quando a situação se mantém (e não se esqueçam que as crianças já estão infestadas, em média, há quatro meses antes de se dar por isso – é mesmo: 4 meses!), o rendimento escolar baixa. Daí a relação causa-efeito entre a infestação por piolhos e o insucesso escolar.
Como descobrir estes desagradáveis insectos
É difícil detectar um piolho vivo, porque estes insectos são ágeis e movem-se rapidamente. Se se extrair rapidamente um cabelo há por vezes a hipótese de os ver.
O diagnóstico faz-se geralmente através da existência de lêndeas que são, nem mais nem menos, as cascas dos ovos dos piolhos – de cor branco nacarado, brilhante, agarradas aos cabelos. Os ovos são postos ao nível do couro cabeludo e quando a infestação é detectada já dura há muitas semanas. Os ovos, quando ainda têm o piolho lá dentro, são negros. Se, ao investigar-se a cabeça da criança, não se descobrirem piolhos vivos e as lêndeas estiverem a mais de 1 cm de distância do couro cabeludo, é sinal de que a criança já não está infestada. Os medicamentos que matam os piolhos matam geralmente também os ovos que contêm ainda animais, pelo que são extremamente eficazes.
É fácil determinar há quanto tempo os piolhos estão no hospedeiro. Como o cabelo cresce uma média de 1 cm por mês, e como as lêndeas não se movem, a altura a que elas estão da raiz do cabelo (ou seja, o número de centímetros), indica o número de meses. Os dados apontam para que, num determinado momento, um terço das crianças portuguesas tenham piolhos.
Algumas situações podem simular lêndeas. A mais frequente é devida ao facto de o couro cabeludo de algumas crianças produzir em grande quantidade aglomerados de queratina que se agarram ao cabelo e são de cor branca. Distinguem-se das lêndeas porque circundam o fio de cabelo em vez de estarem agarrados só de um lado, como o que acontece no caso das lêndeas, para além de saírem com maior facilidade.
Como prevenir a “piolhite”
Em primeiro lugar é essencial não ter medo de falar do assunto nem considerar que ter piolhos é sinal de “porcaria”. O maior amigo dos piolhos é o silêncio que se faz à sua roda. A melhor maneira de dar cabo deles é falar neles, é saber e admitir que existem e que infestam as crianças portuguesas de todas as classes sociais.
Em segundo lugar, a higiene (lavar a cabeça), mas sobretudo o pentear. O uso regular do pente, sobretudo se for um pente de metal e o intervalo entre os dentes do pente forem apertados, permite “partir” as pernas dos piolhos, fazendo com que estes percam o equilíbrio e caiam do cabelo, impedindo-os de se multiplicarem. Assim, mesmo que a criança apanhe dois ou três piolhos eles não durarão os tais sete dias que precisam até se poderem reproduzir. Pais: penteiem os vossos filhos todos os dias. Jovens: penteiem a “trunfa”. Quanto mais não seja para não terem piolhos!
Em terceiro lugar, quando se confirma a infestação, deve lavar-se a cabeça com uma das muitas loções que existem e que não só matam os piolhos já existentes como previnem um pouco em relação a novas infestações. De qualquer modo, não convém abusar destes produtos porque a maioria deles é irritante para a pele que, de si, já está inflamada em resultado das mordeduras dos piolhos e da acção da sua saliva e fezes nas feridas.
Convém também chamar a atenção para o perigo de usar certos produtos tóxicos – como pesticidas e produtos para insectos – na cabeça das crianças. Não é o primeiro nem o segundo caso de crianças com intoxicações graves em consequência do uso desses produtos, especialmente em meio rural. Os piolhos “desmoralizam” mas não matam. Um “tratamento” errado pode matar !
Finalmente, a questão de proibir ou não a entrada na escola. Cada estabelecimento de ensino tem as suas regras, mas convém relembrar que, quando se descobre a infestação, já a criança tem piolhos há muitas semanas. Mais importante do que ser rigoroso nesse aspecto é ensinar às crianças hábitos de higiene e de pentear-se todos os dias, verificar as cabeças das crianças regularmente e falar no assunto para que os pais aceitem a situação e façam o tratamento correctamente. Muitos pais escondem o assunto por vergonha mas também porque têm medo das evicções escolares.
Estão a ver? Afinal o tema “piolhos” deu pano para mangas. Se o discutirmos abertamente, sem timidez e sem medo dessas horríveis criaturas, faremos cair um tabu e, mais importante, contribuiremos para controlar uma “praga” que incomoda as crianças portuguesas. Retomando um slogan dos anos 70, “Guerra ao piolho e a quem, através do silêncio, o apoiar!”.